O CUSTEIO DE TRATAMENTOS EXPERIMENTAIS POR PLANOS DE SAÚDE

O CUSTEIO DE TRATAMENTOS EXPERIMENTAIS POR PLANOS DE SAÚDE

O tratamento de doenças de alta complexidade passam muitas vezes por um estranho dilema que interessa o Direito: em se esgotando as possibilidades de tratamento convencional para salvaguardar a vida do paciente, pode este solicitar ao plano de saúde ou ao próprio SUS o pagamento de tratamento experimental.

A lógica de preservação da vida insculpida no artigo 5º da Constituição Federal indica a sua possibilidade. Todavia esta linha de raciocínio poderia esbarrar no artigo 10, inciso I da Lei 9.656/1998 que regulamenta planos e seguros privados de assistência à saúde:

Art. 10.  É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

I – tratamento clínico ou cirúrgico experimental; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, tem consolidado a jurisprudência em sentido contrário. Segundo a Corte, de fato tratamentos experimentais não poderiam ser subsidiados ou cobertos por seguradoras de saúde, exceto quando esgotada a eficácia de tratamentos convencionais.

Veja-se, por exemplo, o julgamento da 4ª Turma Relatado pelo Ministro RAUL ARAÚJO o qual no AgInt no AREsp 816.307/PR declarou a legalidade da cobertura securitária:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC/73. NÃO OCORRÊNCIA. PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE MEDICAMENTO AVASTIN. TRATAMENTO EXPERIMENTAL. DESCABIMENTO. INEXISTÊNCIA DE TRATAMENTO CONVENCIONAL. INDICAÇÃO MÉDICA. DANO MORAL E QUANTUM INDENIZATÓRIO. INOVAÇÃO RECURSAL EM SEDE DE AGRAVO INTERNO.

IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.

  1. Não se constata violação ao art. 535 do CPC/73 quando a col.

Corte de origem dirime, fundamentadamente, todas as questões suscitadas. Havendo manifestação expressa acerca dos temas necessários à integral solução da lide, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte, fica afastada qualquer omissão, contradição ou obscuridade no julgado.

  1. A interpretação conjunta dos arts. 10 e 12 da Lei 9.656/98 conduz à compreensão de que, na hipótese de existir tratamento convencional, com perspectiva de resposta satisfatória, não pode o paciente, à custa da seguradora ou operadora de plano de saúde, optar por tratamento experimental. Por outro lado, nas situações em que os tratamentos convencionais não forem suficientes ou eficientes, fato atestado pelos médicos que acompanham o caso, existindo, no País, tratamento experimental, em instituição de reputação científica reconhecida, com indicação para a doença, a seguradora ou operadora deve arcar com os custos do tratamento, na medida em que este passa a ser o único de real interesse para o contratante, configurando o tratamento mínimo garantido pelo art. 12 da Lei.
  2. No caso dos autos, o Tribunal a quo consignou que o tratamento recusado, conquanto experimental, mostrou-se eficiente no caso concreto e somente passou a ser utilizado, com a devida indicação médica, após ter sido frustrada a utilização de outras espécies de tratamento, mostrando-se desarrazoada a negativa de cobertura, nos termos dos precedentes desta Corte Superior.
  3. Fica inviabilizado o conhecimento de tema trazido somente na petição de agravo interno, não debatido na decisão agravada, por se ter operado a preclusão.
  4. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp 816.307/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 02/02/2017, DJe 10/02/2017)

Neste mesmo sentido, a Ministra NANCY ANDRIGHI, relatou o AgInt no REsp 1849149/SP na Terceira Turma, ampliando ainda mais em março de 2020, a possibilidade de cobertura de tratamento por operadoras de saúde:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.

HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ.

SÚMULA 568/STJ.

  1. Ação de obrigação de fazer cumulada com reparação por danos morais, fundada na negativa de cobertura de medicamento.
  2. Ausentes os vícios do art. 1022 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração.
  3. É abusiva a recusa da operadora do plano de saúde de arcar com a cobertura do medicamento prescrito pelo médico para o tratamento do beneficiário, sendo ele off label, de uso domiciliar, ou ainda não previsto em rol da ANS, e, portanto, experimental, quando necessário ao tratamento de enfermidade objeto de cobertura pelo contrato.

Precedentes.

  1. Agravo interno no recurso especial não provido.

(AgInt no REsp 1849149/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 30/03/2020, DJe 01/04/2020)

Conclui-se, portanto, que a possibilidade de cobertura securitária de tratamentos experimentais por operadoras de saúde tem se consolidado nos tribunais superiores, levando à uma interpretação bastante restritiva ao artigo 10, inciso I da Lei n.º 9656/98 e, consequentemente, elevando o princípio do Direito à vida.

Mario Augusto Batista de Souza é sócio da Área de Direito Empresarial e Estruturação de Negócios da Dalledone & Advogados Associados.