Desde março de 2020, o Brasil enfrenta a pandemia do COVID-19, inserida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n.º 13.979/2020, a qual iniciou sua regulamentação de efeitos desta calamidade sobre a economia.
Esta insidiosa pandemia desencadeou o surgimento de restrições e desafios diários, colaborando com a implementação do “novo normal” dentro das mais diversas áreas, dentre elas a da saúde, o agronegócio, o funcionalismo público, a educação e também o campo do direito do trabalho.
Sabemos que na atual situação econômica do país é extremamente difícil acatar todas as recomendações do Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde sem que haja redução do quadro de empregados da empresa. Para manter o pleno funcionamento medidas como a utilização de máscaras, álcool em gel e execução do regime de Home Office estão fazendo parte da nova realidade de convívio e vigilância de todos.
Diante deste cenário, e por mais que exista uma grande diferença entre a vida corporativa e a vida particular do empregado, será que ocorre a possibilidade de ser aplicada a justa causa ao empregado por aglomeração durante a jornada de trabalho em épocas de pandemia?
De um lado verificamos que os Decretos publicados pelos e municípios caminham no sentido de se evitar aglomerações para reduzir a contaminação e propagação do novo Coronavírus, ficando suspensa qualquer reunião com aglomeração de pessoas, como é o caso do Decreto n.º 796 de 16/06/2020 de Curitiba/PR. Vejamos:
Art. 8º Fica suspensa qualquer reunião com aglomeração de pessoas, incluindo eventos, comemorações e confraternizações, de qualquer natureza e magnitude, ao ar livre ou em espaço fechado, salvo na modalidade drive-in.
As hipóteses para enquadramento de dispensa por justa causa estão dispostas no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho, podendo ser enquadrada a conduta em questão nos incisos J e K, que assim determina:
Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
Tal enquadramento seria possível uma vez que ir trabalhar doente ou com suspeita da doença coloca em risco a vida não apenas do empregado, mas também de seus colegas e clientes, sendo configurada a ofensa física de terceiros.
Entretanto observamos que na prática, antes de ser aplicada a medida mais gravosa, o empregador pode aplicar uma advertência, duas suspensões, e, só então, a justa causa.
A situação foi colocada em prática quando dois funcionários do Banco Bradesco não cumpriram o protocolo e, consequentemente, foram demitidos por justa causa: uma bancária que testou positivo para Covid-19 e mesmo assim foi ao local de trabalho; e um bancário que estava em quarentena, pois trabalhava em local com caso confirmado, e descumpriu o afastamento ao visitar uma agência.
Portanto, verifica-se que tal conduta é para preservação da salubridade do ambiente de trabalho, uma vez que o critério de saúde pública passou a ser dever de todo e qualquer cidadão, podendo o empregador aplicar medidas disciplinares aos empregados por atitudes que terão reflexos dentro da empresa.
Por outro lado, devemos pensar que fica suspenso apenas o funcionamento de determinados serviços, como por exemplo os estabelecimentos destinados ao entretenimento, entretanto, os serviços considerados essenciais continuam operando, sendo necessária a distinção entre o que seria uma reunião necessária e o que não seria.
Em termos práticos, faz-se necessária a distinção entre o que seria a reunião de cinco enfermeiros para realizarem procedimentos médicos de urgência em um paciente e o que seria a reunião de dez amigos em uma confraternização.
Diante de todo o exposto, verifica-se que na prática devemos aguardar do Judiciário uma análise em casos concretos para posicionamentos do que seriam aglomerações necessárias ou não.
Anna Carolina Casagrande é estudante da Faculdade de Direito de Curitiba, e assessora na área de Direito do Trabalho da Dalledone Advogados Associados.