Conheça os motivos que tiraram a Operação Sem Filtro da Justiça do Paraná

Conheça os motivos que tiraram a Operação Sem Filtro da Justiça do Paraná

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Cinco meses separam as prisões e investigações da Operação Sem Filtro e a decisão que determinou a “incompetência absoluta” da primeira instância do Paraná sobre o caso. A mudança foi decretada pela 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do estado (TJ-PR) no final de fevereiro e faz referência à jurisprudência ratione loci (competência decorrente do local da infração), que consta no Código de Processo Penal.
O Poder Judiciário entendeu que a denúncia apresentada pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR) tem caráter nacional pela existência de supostos crimes praticados em outros estados e contra servidores federais e a investigação foi remetida para a Justiça Federal de São Paulo. Todos os atos praticados ao longo desses meses fora anulados. Entenda essa discussão.

O que é Operação Sem Filtro?
A Operação Sem Filtro foi deflagrada em setembro do ano passado pelo Núcleo de Repressão a Crimes Econômicos (Nurce), da Polícia Civil do Paraná. As ações aconteceram em dez cidades de quatro estados: São Paulo, Minas Gerais, Bahia e o próprio Paraná. Nas investigações, que duraram cerca de dois anos, os policiais descobriram duas fábricas clandestinas de cigarros falsificados em Montes Claros (MG). Quase R$ 20 milhões em bens foram apreendidos.

Segundo a Polícia Civil, a suposta quadrilha que comandava a falsificação era chefiada por Clodoaldo José de Siqueira, pai do cantor Rafael Francisco Frare de Siqueira, da dupla sertaneja de Londrina Fábio e Rafael. Os dois foram presos durante a ação do Nurce. As investigações apontaram falsificação abrangente de cigarros, da matéria-prima à manipulação de papéis, fabricação e transporte do produto final, sem intermediários.

De acordo com o delegado responsável pela operação, Renato Figueiroa, a quadrilha se dividia em três núcleos: fabricação do cigarro, inicialmente localizada na Bahia e depois realocada em Minas Gerais; setor das gráficas, concentrado em São Paulo; e o de lavagem de dinheiro, em Londrina. A Receita Federal estimou sonegação de tributos de cerca de R$ 90 milhões. O esquema foi denunciado pela Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF).
A denúncia
O Ministério Público do Estado do Paraná (MP-PR) apresentou acusação contra Clodoaldo, Rafael, e outras 31 pessoas em outubro do ano passado. Na peça, o MP-PR apontou crimes contra a saúde pública e a ordem econômica, e ainda corrupção ativa e lavagem de dinheiro. O MP-PR também narrou o pagamento de propina a policiais federais – mas eles não foram nominalmente identificados.

Segundo a promotora Cláudia Piovezan, que assina a denúncia, Clodoaldo José de Siqueira liderava os três núcleos investigados. De acordo com o MP-PR, a empresa F&R Produções Artísticas Ltda, aberta em julho de 2015 em Londrina e atrelada ao trabalho da dupla de cantores Fábio e Rafael, servia para lavar dinheiro obtido da falsificação dos cigarros.

“A empresa claramente não obtinha ganhos suficientes para arcar com a grande estrutura disponibilizada à dupla de cantores, composta por duas salas comerciais em condomínio de alto padrão em Londrina, ônibus e outros automóveis plotados, equipe de show com cerca de 18 integrantes, palco com TVs de Led e outros equipamentos eletrônicos profissionais, despesas com viagens e hospedagens”, afirma a denúncia. “Assim, era Clodoaldo que, apesar de possuir apenas 1% do capital da empesa, financiava todas as despesas do negócio, despistando, assim, a origem ilícita de parte dos valores obtidos com a falsificação de cigarros”.

A promotora ainda cita promessas de vantagens indevidas a policiais federais, que “deixaram de apurar os atos criminosos que ocorriam no inteiro das gráficas”. Essas negociações foram flagradas em escutas telefônicas.

A decisão do TJ-PR
O relator do processo na 2ª Câmara Criminal, desembargador José Mauricio Pinto de Almeida, afirmou no despacho que a denúncia cita “crime de corrupção ativa envolvendo agentes federais”, o que, de acordo com o artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal, justifica o encaminhamento do processo para a Justiça Federal.

O desembargador também embasou a decisão em duas súmulas do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A primeira (número 147) afirma que “compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função”.

“Seguindo essa linha, os demais delitos, por serem conexos, devem também ser apurados na Justiça Federal, conforme a Súmula 122”, completou o desembargador. O texto que embasou a decisão “determina a prevalência da competência especial da Justiça Federal em detrimento da competência comum e residual da Justiça Estadual, para o julgamento conjunto dos delitos”.

A decisão da transferência da Operação Sem Filtro foi tomada por unanimidade entre o relator e os desembargadores José Carlos Dalacqua e Laertes Ferreira Gomes.

Discussão jurídica
A 2ª Câmara Criminal se debruçou sobre o processo depois de um pedido de habeas corpus do advogado de defesa de Clodoaldo José de Siqueira, Claudio Dalledone Junior. À Gazeta do Povo, ele afirmou que a anulação interrompeu uma “bagunça institucional” no Paraná. “A decisão coloca ordem na bagunça institucional promovida pela Associação Brasileira de Combate à Falsificação e pelo Nurce. São questões absolutamente irregulares e houve reconhecimento da incompetência de lugar e matéria”, comemorou.

O criminalista Norberto Bonamim Júnior, professor de Direito Penal e Criminal da PUCPR, explica que o processo penal sempre envolve questões de competência. “A teoria que prevalece, a mais forte, ratione loci, é o local do crime, onde ele se consumou. Porque leva em consideração uma das finalidades da pena, a retributiva, que o autor deve pagar e dar exemplo para outras pessoas. A ideia é que o juiz competente seja um juiz local para as pessoas observarem a resposta do Estado”, afirma. “Hoje em dia, na época digital, talvez não faça tanto sentido. Mas no passado era importante porque as outras cidades ficavam sabendo apenas dias depois do ocorrido. Essa é a importância do juiz local”.

Bonamim também esclarece que a questão leva em consideração a produção de provas. “O conjunto de provas está, geralmente, onde acontece o crime. São as provas que dão ao juiz a condição de julgar. Facilita a aquisição de provas, a investigação e o julgamento. Teoricamente essa não é uma discussão nova”, completa.

Outra questão levantada no processo é a discussão sobre nulidade relativa x nulidade absoluta. No caso da Operação Sem Filtro, a 2ª Câmara Criminal do TJ-PR declarou “incompetência absoluta”. “A nulidade relativa afirma que o que se fez até então é válido. A nulidade absoluta faz com que o processo parta do zero”, conclui o professor da PUCPR.

Próximos passos
Um dia depois da decisão colegiada, o juiz da 2ª Vara Criminal de Londrina, Délcio Miranda da Rocha, mandou um ofício para o desembargador relator requerendo esclarecimentos sobre a amplitude da decisão “em especial pela presença de produtos contrafeitos, segundo a investigação, como caixas de fumo a granel, caixas de cigarro, embalagens, maquinário, além de armas de fogo, entre outros”. “Faz-se necessário saber que destinação dar a estes produtos, a fim de evitar eventual devolução aos investigados. Da mesma forma, um esclarecimento deve ser tecido ante a determinação de desbloqueio de valores”, afirmou. Seis dias depois, o magistrado de Londrina acelerou a remessa dos autos à São Paulo.

De acordo com Bonamim, a Justiça Federal deve ter encaminhado o processo para a delegacia competente da Polícia Federal (PF) começar as investigações.

“O processo é todo nulo, acabou. Recomeça na Justiça Federal de São Paulo se entenderem assim. Fica a critério de São Paulo”, completa o advogado Claudio Dalledone Junior.

O MP-PR não recorreu da decisão do TJ-PR.

Fonte: Gazeta do Povo